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Pesquisa revela desertificação cárstica em áreas do semiárido brasileiro


A definição de terras degradadas com elevada vulnerabilidade as alterações climáticas em terrenos cársticos, ou seja, desertificação cárstica em áreas do semiárido brasileiro (baiano), acende a luz vermelha para os gestores públicos estaduais e municipais, agricultores e sociedade em geral.

Pesquisa desenvolvida no município de Campo Formoso e entorno (norte do Estado da Bahia), entre 2012 a 2016, confirma a ocorrência de desertificação, alterações climáticas, elevação da temperatura e da aridez. O estudo identificou que não há redução significativa das chuvas. A investigação científica revela que um dos fatores definidores dessa dinâmica é o uso e ocupação desordenada das terras, que se intensificou a partir da década de 70, principalmente, devido às atividades agropecuárias mal planejadas.


Além disso, a pesquisa contribuiu com a elaboração de um novo significado para explicar o processo de desertificação no semiárido brasileiro, caso particular, que afeta diretamente o médio curso do rio Salitre, desertificação em Carste (KARST DESERTIFICATION SEMI ARID CLIMATE).

Os dados revelam o primeiro caso investigado no Brasil e, possivelmente, também na América Latina, conformado por uma espiral complexa descendente que exprime a tendência de agravamento deste processo, nas duas décadas seguintes (2020 e 2030), que produzirá ampliação das Áreas Afetadas pela Desertificação em Campo Formoso-BA.


Estas importantes considerações são resultados da tese de doutorado “Indicadores de Desertificação no Semiárido Brasileiro: O caso de Campo Formoso-Bahia”, desenvolvido por Jémison Mattos dos Santos na Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense. O estudo foi realizado sob orientação de Prof. Dr. Márcio Piñon de Oliveira (UFF) e colaboração dos Professores Lúcio Cunha do CEGOT (Centro de Estudos e Ordenamento do Território) da Universidade de Coimbra-Portugal, como parte do Doutorado (Sanduíche) e o Dr. Ruy Moreira (UFF).


O pesquisador Jémison Mattos, que integra o Setor de Geografia do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, detalha a pesquisa. “Desertificação é um processo complexo e evolutivo em espiral, de seletividade, associado à degradação da paisagem, dos sistemas geoambientais, ou seja, de degradação/desestruturação dos sistemas de vida, a exemplo das comunidades rurais. O cenário hoje é de preocupação, uma vez que há uma crescente redução da cobertura vegetal (biomassa) do solo, dos recursos d´água, além do aumento da vulnerabilidade social. Tudo isso está conformada por um cenário de paisagens artificializadas/degradadas e espaços-territórios marcados pela desigualdade e exclusão social: pobreza; baixos níveis educacionais. Como resultado temos a dificuldade de acesso à educação e a tecnologia, sem falar na expressiva concentração fundiária”.


Neste estudo apoiado na Análise Geoambiental Integrada (AIG), no Geoprocessamento e na aplicação de Indicadores-Chave de Desertificação, a partir das características biofísicas e socioeconômicas, foi possível generalizar e definir no médio curso do Salitre uma área com aproximadamente 80 km² afetada pela Desertificação. Os setores mais críticos são aqueles que margeiam o rio, ou seja, tem-se o processo de Desertificação em Carste (KARST DESERTIFICATION SEMIARID CLIMATE- KDSC, bastante particular no Brasil e no mundo.


O autor da pesquisa sinaliza que “deve-se também considerar que, caso eleve-se a pressão sobre o ambiente, o referido processo tende a se intensificar e, à extensão do problema, seguramente irá afetar outros setores rurais, em especial, entorno do rio; partindo da localidade do Pacuí (a jusante) até alcançar Curral Velho, um povoado que já dá claros sinais de degradação ambiental, ou seja, infere-se ao estabelecer analogias com as características das áreas-piloto avaliadas (localidades de Lagoa Branca, Poco da Pedra e Saquinho). Estas áreas definidas como vulneráveis morfodinamicamente, em sua pesquisa, já apresenta um estado moderado de degradação, que seguirá transicionando para um nível mais elevado de degradação de suas terras, do solo”.


Em linhas gerais, há definição das forças motrizes (seca prolongada; caprinocultura; renda insuficiente; falta de assistência técnica e apoio financeiro aos agricultores) e os vetores de pressão (agricultura tradicional, sobre pastoreio, corte e queima da vegetação). Sobre as referidas áreas-piloto em Campo Formoso, que geraram paisagens em desequilíbrio e não equilíbrio são expressas através de uma espiral descendente que conduz à redução da vegetação, à destruição da estrutura dos solos, à perda da fertilidade e do elevado volume de solos agricultáveis e alterações nas condições climáticas locais (Fig. 1).




Fig. 1- Modelo DPSIR em espiral: comunidades rurais da Lagoa Branca, Poço da Pedra e Saquinho, Campo Formoso-Ba, 2015. Elaboração: SANTOS, Jémison M.


A expressiva variabilidade interanual das precipitações e a aridez elevada (implica em variações temporais enormes e disponibilidade de água muito limitada) atuando em setores de solos expostos (às precipitações intensas - torrenciais, de curta duração) exacerbam os impactos negativos, em um processo de retroalimentação positiva de degradação, manifesta como uma espiral complexa (aumento das perdas), de biomassa (redução da quantidade e produtividade) e da qualidade dos solos (improdutividade), que afetam diretamente os cultivos agrícolas e as condições financeiras da população, podendo, também, causar riscos à saúde dos trabalhadores rurais.


Este tipo de pesquisa efetuada, mais verticalizada, contribui para o aprimoramento dos estudos de desertificação no Brasil, pois como afirma o pesquisador Dr. Jémison Mattos, parte expressiva dos estudos por ele avaliados, para definir a metodologia de sua pesquisa, podem ser considerados generalistas. “É imprescindível que sejam realizadas análises verticais de média e longa duração sobre a desertificação no semiárido brasileiro, pois assim será possível precisar através do uso e aplicação de indicadores específicos para cada área, por meio dos dados (mais consistentes) se uma dada área pode ser definida como desertificada ou apresenta elevado risco de desertificação”, explica.


O autor, contudo, revela que essa estrita condição ambiental é preocupante devido aos prejuízos socioeconômicos e ambientais evidenciados (crescente subtração do potencial econômico-ecológico das Caatingas), que se agudizaram nas duas últimas décadas e vem atingindo as três comunidades estudadas (Lagoa Branca, Poço da Pedra, Saquinho), que estadeiam elevada vulnerabilidade socioambiental e são afetadas pela Desertificação.



Foto: (esquerda) Trabalho de campo no Deserto de Atacama, São Pedro de Atacama – Chile; (direita) Cordilheira Central ao fundo e em primeiro plano a depressão intermontana, local conhecido como Desierto de la Tatacoa – Colômbia. Mas, na verdade é um bosque seco tropical, em processo de desertificação, vetor de pressão a pecuária.


Saiba mais sobre os problemas causados pela Desertificação:

O principal motivo que induz a desertificação no semiárido baiano é a incompatibilidade total entre os sistemas de produção locais e regionais que foram construídos no passado e se modernizam paulatinamente de uma maneira desorganizada/descontrolada (conformam uma maior complexidade, confusão, fragmentação e desestruturação), atropelando os processos físicos e humanos. Por conseguinte, afetam o complexo geoambiental danosamente e produz degradação/desertificação.


Esse descompasso foi evidenciado a exemplo de Campo Formoso-Ba pelo gatilho da exploração exaustiva iniciada no séc. XVII e que perdura: o desmatamento, desperdício e poluição das águas, intensificação da esterilidade das terras, ou seja, acompanha-se o desmonte progressivo dos recursos naturais, onde os sistemas produtivos são regulados contemporaneamente por uma economia de mercado e por um sistema administrativo fortemente centralizado (historicamente).


O rol de dados trabalhados que vão desde as variáveis hidroclimáticas (precipitação, temperatura e evapotranspiração), geológicas, geomorfológicas, qualidade do solo, vulnerabilidade morfodinâmica, quantidade de biomassa (NDVI) e uso e cobertura das terras (através do uso e aplicação de sensoriamento remoto), assumindo um marco temporal a partir de 1940, sinaliza para o espaço-território de Campo Formoso um volume de chuvas que não foi reduzido significativamente, porém confirma-se à subtração crescente das áreas da caatinga e a elevação do índice de aridez, erosão acelerada do solo e perda de sua qualidade em setores que estadeiam processos de desertificação (figura 2).





Figura 2 – Áreas com nível grave de degradação: localidades de Lagoa Branca (esquerda acima) e Poço da Pedra (direita acima). Área em estado avançado de degradação (foto abaixo), nível muito grave no Poço da Pedra, zona rural de Campo Formoso-Ba. Fonte: Trabalho de campo, 2014 - 2015. Autor: Santos, Jémison Mattos.


Para os totais anuais de precipitação revela a evidência de uma tendência moderada de redução da precipitação, ou seja, para as estações avaliadas foi observada uma ligeira redução de chuvas em uma série de 16 anos. Mas essa tendência não se mostra estatisticamente significativa conforme ajuste medido (r2 = 0,0765), pela reta de regressão. É importante também considerar os resultados alcançados apenas como estimativas. Estes são, aqui, ressalvados por conta do entendimento sobre a necessidade de melhoria da qualidade e confiabilidade dos dados (que apresentam muitas falhas) e a necessidade de aumento da rede de estações meteorológicas no Estado da Bahia.


Um fato importante revelado é a existência de um eixo longitudinal de aridez extrema com temperaturas médias elevadas (que oscilam muito pouco ao longo do ano), associadas à Depressão Cárstica, à calha do rio Salitre e uma ampla faixa de seu entorno, que se expande lateralmente para Leste até alcançar os compartimentos de parte do Planalto em Patamar, nos meses de abril a agosto; assumindo valores que variam entre 01 mm a 10 mm de chuva mensal. Mas, durante os meses de setembro, outubro e novembro essa faixa se retrai e fica restrita espacialmente a calha do rio Salitre e entorno (figura 3).





Figura 03 - Projeção cartográfica: UTM-24S. Datum: WGS-84 Fonte: Worldclim.

Precipitações médias (1950 a 2000): segundo semestre, Campo Formoso-Ba. Autor: Santos, Jémison M. 2016


Sobre o autor: Jémison Mattos dos Santos é professor da UEFS, coordena o Grupo de Pesquisa GEOLANDS e Laboratório GEOTRÓPICOS-UEFS, iniciou suas primeiras pesquisas sobre desertificação no Estado da Bahia na década de 90. Participou do GT Desertificação do Instituto de Gestão das Águas e como Ponto Focal do Programa Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAE-Bahia). Foi consultor do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) para os estudos de desertificação do PAE-Bahia. É membro do Setor de Geografia do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). Participa de grupos de pesquisas nacionais e redes internacionais de pesquisa voltados para a temática land degradation and desertification (degradação das terras e desertificação) e water management.

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