Notícia do Rio
- IGHB Bahia
- 23 de jul.
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Notícia do Rio
Cyro de Mattos
E dizer que esse rio já forneceu água de suas fontes puríssimas para que todos matassem a sede no bebedouro da vida. Isso foi há muito tempo, a cidade talvez nem chegasse a vinte mil habitantes. Ainda não havia sido instalado o sistema de abastecimento de água encanada para servir à população. O aguadeiro trazia a água do rio nos carotes, pequenos barris feitos com madeira de putumuju, transportados pelos jumentos. O homem anunciava na rua: “Água boa do Mutucugê! Quem vai querer?”
Muita gente vivia graças à bondade do rio. Lavadeiras, aguadeiros, pescadores, canoeiros e tiradores de areia, usada nas construções residenciais, armazéns e lojas. Uma gente pobre tirava o sustento da família com o que o rio lhe fornecia. Era tido como o pai dos pobres. Tinha muito peixe miúdo no raso, graúdo no fundo. Pela manhã, o pescador passava com as fieiras de peixe e outros pescados. Batia na porta e oferecia à dona da casa. “Peixe fresco do rio Cachoeira!” Na semana, de casa em casa, a cena se repetia. Na feira, aos sábados, o litro cheio de camarões e a fieira de pitus eram vendidos por um preço barato.
De uns tempos para cá transpira com dificuldade porque não consegue se libertar do impiedoso fardo de detritos, que os humanos despejam diariamente e travam a sua descida nas águas. Esse é o preço que o velho rio paga por ter a cidade se expandido veloz, chegando hoje a mais de duzentos mil habitantes, comentam os moradores mais velhos. Afoga-se na agonia pelo descaso dos que se submetem à paisagem de cores insensatas, formada por bocas enormes dos esgotos, que despejam nas águas sem parar o que não presta.
No tempo em que tropeçava nas pernas, a cidade pensava como gente grande, esbanjava ardor com seu povo operoso e progressista debaixo dos azuis do céu e por entre os verdes que gramavam os barrancos do rio. No verão não havia dia para o autor dessa crônica de sentido líquido tomar banho com os amigos nas águas do Poço da Pedra do Gelo. O rosto agitado, era quando o menino mais sorria, vestido de sonho no reino da infância. Evidente que isso só podia acontecer quando o rio, pleno de frescores e purezas, tinha peixe em abundância, água boa para beber, as pedras pretas ficavam coloridas com as roupas que as lavadeiras estendiam para secar ao sol.
Tudo mudou. Cachoeira é o nome de um rio que chora água. Triste, sem esperança, abandonado aos vômitos, que despejam pelos esgotos, fica lamentando no curso agonizante:
“Não me canso de dizer que estou morrendo. Gente, já não somos amigos de mãos dadas? Tenho sede, tenho fome, de tudo tenho saudade. Do tempo em que generosas ondas participavam das estações temperadas de sol e chuva. Dos peixes que dei para tantas bocas. Água, areia de minhas moradas, da lua que me banhava com a sua prata. No fosso onde choro, sem saber para onde vou, lembro manhãs e tardes naquelas vagas do amor.”









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