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Eduardo Portella, pensador da cultura - artigo de Cyro de Mattos


Eduardo Portella era um desses intelectuais atuantes que argumentava com lucidez sobre assuntos de nossas letras e cultura. Graduado pela Faculdade de Ciências Sociais e Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco. Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lecionou até os últimos dias de vida. Ministro da Educação no governo do Presidente João Figueiredo, lutou pela anistia, foi demitido por ter dado apoio à greve dos professores universitários.

Seu discurso de vida dirigiu-se para os parâmetros de um humanismo solidário com base na ordem da verdade. Foi interditado por aqueles que pensam ser suficiente para valer na dotação humana o poder que você exerce com o cargo. Dele é a célebre frase: “Não sou ministro, estou ministro”, para afirmar com isso, no tácito entendimento da palavra enunciada, que tudo é transitório ante o eterno que fica.

Crítico, pesquisador, conferencista, editor, advogado e político brasileiro. Ocupou a presidência da Conferência Mundial da UNESCO. Integrante do Pen Clube do Brasil. Foi diretor das Edições Tempo Brasileiro, divulgador de Heidegger no Brasil e do formalismo russo de Yuri Tynianov. Membro titular da Academia Brasileira de Letras, recebido por Afrânio Coutinho. Naquela instituição recebeu Alfredo Bosi, Cândido Mendes de Almeida, Carlos Nejar, Celso Furtado, Ivan Junqueira, João Ubaldo Ribeiro, Lígia Fagundes Telles, Merval Pereira e Zélia Gattai.

Propôs um método crítico de base hermenêutica, teórica e filosófica para a aferição axiológica da obra literária. Sem inclinações para a interpretação da obra literária com base na inserção de autor e legado nos períodos históricos, nem decorrente de gratuitas impressões sobre a massa do que foi escrito, optou por uma crítica literária em função do estilo em que se funda e marca a obra na expressividade da escrita, tanto na forma como no conteúdo.

Esteve à frente dos níveis usuais da crítica e interpretação da obra literária, foi o responsável pela introdução da análise estilística nas letras brasileiras. Filtrou os pressupostos, métodos e ferramentas dos espanhóis Carlos Bousoño e Dámaso Alonso, tendo o julgamento como ato final na análise literária, após a captura do fundamento que transita entre linguagem e uso da língua metamorfoseada, responsável pela literariedade. Este fundamento é a visualização do entretexto. Sua tese de doutorado foi publicada sob o título Fundamento da Investigação Literária (1973), refundida em 1974.


Deixou um legado constituído de vinte e três obras e, entre elas, Dimensões I (1958), Dimensões II (1959), África colonos e cúmplices (1961), Literatura e realidade nacional (1963), Dimensões III (1965), Teoria da comunicação literária (1970), Vanguarda e cultura de massa (1978) e A Sabedoria da Fábula (2011). Recebeu prêmios literários e títulos honoríficos de muito prestígio, como Gran Cruz de la Orden del Mérito Civil, Madri (2001), Doutor Honoris-Causa da Universidade Federal da Bahia (1983), Gran-Cruz de la Orden Civil de Alfonso X, el Sabio, Madri (1980), Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco, Brasília (1979).


Em assunto que trate da teoria literária, análise e interpretação da obra, aprende-se muito com Eduardo Portella. Lucidez e conhecimento são meios importantes na análise estilística da obra, de maneira coesa e convincente. Com o título de Dimensões (I, II e III), sua análise crítica é fatura exemplar do que se tem escrito sobre a obra literária de diversos autores brasileiros. O leitor fica preso aos argumentos inteligentes e raciocínios proveitosos sobre a obra e muito aprende com seus estudos e interpretações.


Acompanhou a carreira literária minha desde o nascimento, há sessenta anos. Prestigiou-me como autor no longo curso da jornada. Prefaciou o nosso livro Cancioneiro do Cacau, que inédito recebeu o Prêmio Nacional de Poesia Ribeiro Couto da União Brasileira de Escritores (Rio), ao ser publicado conquistou o Segundo Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, em Gênova, Itália, o Terceiro Prêmio Nacional de Poesia Emílio Moura da Academia Mineira de Letras e foi finalista do Jabuti.

É dele essa observação sobre o livro: “ Mas o seu poema não irrompe de qualquer abalo sísmico, ou de qualquer intempérie facilmente previsível. Ele eclode da história revigorada, nasce do fundo do homem e das coisas, da sua raiz em curso, da origem protegida do menor sedentarismo... Cyro de Mattos se compraz em revalorizar a raiz, e reverenciar a origem, em reconhecer o fundamento radicalmente imune ao fundamentalismo. O poeta enraizado e, no caso, porque enraizado, generoso, recorda para a frente. Como quem retira dos filtros do passado, e dos detectores de metais do presente, lições, mesmo que enviesadas, para a construção do amanhã.”

Que melhor prêmio poderia receber autor e obra do que essa opinião do enorme ensaísta? Humanista, sincero, elegante, intelectual de primeira grandeza. A última vez que estive com ele, na Academia Brasileira de Letras, quando fomos proferir palestra sobre os mares trágicos de Adonias Filho, disse-me que estava escrevendo um livro sobre Adonias Filho e outro sobre Jorge Amado.

A ensaísta e professora universitária Nelly Novaes Coelho dizia que para ter um salvo-conduto que abonasse a obra o autor precisava receber a análise literária de quem era portador de instrumental crítico avançado ou possuidor de obra consagrada. Claro que o leitor generalizado ou de visão crítica, de intimidade com os valores estéticos, torna-se meio importante para que a obra circule e permaneça viva quando for visitada. Surpreenda como instrumento que ilumina a parte noturna do ser, como observa Octavio Paz. Neste sentido, posso dizer que, no primeiro entendimento de Nelly Novaes Coelho, vejo-me inserido, sou autor privilegiado ao receber o prefácio de Eduardo Portella como rica apresentação sobre nosso cancioneiro.


Baiano de Salvador, nascido em 8 de outubro de 1932, Eduardo Portella passou desse plano terrestre para outra dimensão no dia 2 de maio de 2017.


Cyro de Mattos é escritor, acadêmico e associado do IGHB




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