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Confira o artigo "Antônio Conselheiro e a revolta contra os impostos"

ANTÔNIO CONSELHEIRO E A REVOLTA CONTRA OS IMPOSTOS

 

Por Marcos Roberto Brito dos Santos,

Doutor e mestre em História pela UFBA

 

            Recentemente, José Augusto Moita publicou um interessante livro intitulado Antonio Conselheiro: vida e obra (Fortaleza, 2023). Fundamentado em largo esforço de pesquisa e documentação, e com a inquietação intelectual que o caracteriza, o autor busca lançar um novo olhar sobre a figura deste personagem, atitude que ao meu ver, independente de concordar ou não com todas as suas argumentações e teses, já é por si uma virtude. Mas, atenho-me aqui, sobre uma questão específica tratada em seu livro: o episódio da revolta dos impostos. Valendo-me das fontes por ele apresentadas, de outras já conhecidas e daquela que há pouco encontrei no acervo do Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), e que não tenho conhecimento que já tenha sido utilizado por outro historiador anteriormente, proponho uma leitura diferente daquela apresentada pela bibliografia já produzida. Trata-se, contudo, de temática a ser aprofundada, e que merece uma pesquisa mais apurada, ainda que, diante de possível escassez de fontes, o sucesso da empreitada não seja garantida. No momento, não vejo que as fontes disponibilize dados suficientes que leve a uma interpretação conclusiva e consensual, dando realmente margem a mais de uma leitura possível.

            O citado acontecimento teria sido uma revolta acontecida no primeiro semestre do ano de 1893. Diante das mudanças promovidas pelo regime republicano, com a descentralização da cobrança dos impostos para o âmbito municipal e o aumento da pressão tributária sobre a população, o povo teria se insurgido e quebrado as tabuletas onde eram afixados os editais de cobrança, recusando-se desta forma ao seu pagamento. Esse fato teria, para alguns estudiosos do tema, acontecido sob a liderança de Antônio Conselheiro, enquanto para outros, baseado em fontes específicas, este não teria nenhum envolvimento direto.

            Quanto ao local do acontecimento, a bibliografia sobre o tema não é concorde. Tido como um evento importante para o desenrolar dos acontecimentos que leva ao conflito do Maceté e à formação do arraial do Belo Monte, Euclides da Cunha, em Os Sertões, entretanto, aborda-o de maneira bastante aligeirada. Afirma que Antonio Conselheiro estava em Bom Conselho (hoje município de Cícero Dantas), que este reuniu o povo num dia de feira e entre gritos sediciosos mandou queimar as tabuletas em uma fogueira, pregando abertamente a insurreição contra as leis. Faz isso, sem sequer indicar a data do acontecido, menos ainda as fontes.

            Outro grande estudioso do tema, o prof. José Calasans, por sua vez, seguindo o depoimento dado por Salomão de Souza Dantas em seu livro Aspectos e Contrastes, à época promotor público da Comarca de Monte Santo, afirma ter o evento se dado no Termo do Amparo (atualmente Ribeira do Amparo). Salomão de Souza Dantas, que publicou seu livro em 1922,  narra o episódio com maior detalhe, contudo, também não indica a datação da ocorrência do fato. Transcrevemos abaixo, um trecho do seu testemunho não-ocular (ele presenciou apenas fatos mais à frente, mas esteve envolvido nas refregas enquanto autoridade local):

            “(…) vôa celere a noticia de que Antonio Conselheiro, no termo do Amparo, capitaneando um trôço de fanáticos, desacatára as autoridades locaes, ameaçando-as de morte, tudo isso com o mais desejado e brutal ataque às instituições e leis republicanas. Comecára a desordem pela destruição e incêndio das grandes tabolêtas, onde a Câmara Municipal mandára affixar as leis e orçamentos (…)”.

            Um terceiro grupo de pesquisadores, entre eles Consuelo Novais Sampaio e José Augusto Moita, parece se afiliar às informações presentes em um documento histórico custodiado pelo já citado Arquivo Público da Bahia, e trabalhado pela profª Mônica Duarte Dantas em seu livro Fronteiras Movediças, em que realiza um estudo sobre a Comarca de Itapicuru. Trata-se de um Inquérito Policial sobre um levante popular contra os impostos acontecido na Vila do Soure, com pontos de clímax nas feiras dos dias 10 e 17 de abril de 1893. No dia 10, após reunião no estabelecimento comercial de um tal José Honorato, mais de 40 pessoas, armados de cacetes, facas e facões, fizeram as tabuletas dos impostos em migalhas na feira de Soure. Já no dia 17, presente as autoridades para fazer garantir a lei em novo dia de cobrança de impostos na feira, estas foram censuradas, vaiadas, e retiraram-se do local, visto haverem inclusive patrulhamento de grupos armados. Embora inicialmente denunciado entre os participantes da revolta, Antonio Conselheiro acabou sendo absolvido, pois nos depoimentos dos envolvidos este não teria participado, não estando na Vila do Soure no dia 10, tendo, inclusive, estando lá no dia 17, evitado que as autoridades fossem atacadas pelo povo. Daí, alguns estudiosos concluir pelo completo ou quase nenhum envolvimento de Antonio Conselheiro no episódio de revolta contra os impostos.

            Chamamos a atenção, porém, que embora não tenha sido indiciado, na visão do promotor, Antonio Conselheiro “estaria implicado no caso por ter feito quórum nos protestos”. E, para além disso, as linhas do Inquerito Policial, faz transparecer claramente as relações de proximidade e intimidade entre os envolvidos e Antonio Conselheiro.

            Por fim, um outro registro no Inquerito Policial da Vila de Soure, que gostariamos de ressaltar, é a informação de que um dos participantes, para concitar o povo, teria dito “que na Villa do Tucano as leis municipaes tinham também sido rasgadas pelo povo e que nada se succedeu”, e ainda que “por inspiração dos eventos do Soure, teriam ocorrido cenas semelhantes no arraial do Bom Jesus e na Vila do Amparo”.

            Evidenciamos os aspectos acima para sustentar que o desacordo entre os autores quanto ao local onde teria acontecido a revolta contra os impostos, levando seus leitores muitas vezes à ficarem confusos, deve-se ao fato de esta ter sido um fenômeno que se deu em várias localidades onde Antonio Conselheiro atuava como pregador, e que as suas prédicas contra o governo republicano teve um papel de estimulo nos protestos contra os impostos abusivos.

            A documentação que encontrei no Arquivo Público do Estado da Bahia acresce aos locais de emergência de contestação à cobrança de impostos, a Vila do Raso, pertencente à Comarca de Monte Santo. São quatro petições de autoridades locais (do Intendente, do Comissário de Polícia, do presidente do Conselho Municipal e do Juiz Preparador) ao Governador do Estado da Bahia, Rodrigues Lima. O fato destes solicitarem sempre um destacamento de seis “praças” de policia, para guarnecer a referida vila, nos leva a crer que as autoridades estavam agindo em comum acordo. Os documentos, datados de 20, 22, 24 e 27 de fevereiro, informam sobre recusas e protestos contra o pagamento dos impostos acontecidos ainda no mês de fevereiro de 1893, ou seja, antes daquele ocorrido na Vila do Soure.

            Quanto ao seus protagonistas, os documentos são bastante vagos. O requerimento do Intendente, de 20 de fevereiro, que solicita o destacamento “a fim de que a autoridade policial possa auxiliar a arrecadação dos impostos e multas devidas”, fala que “o povo, insufflado por pessoas inimigas da ordem, não quer obedecer aos meios suasórios e consentâneos com as leis actuais”. A petição do presidente do Conselho Municipal, por sua vez, também solicita o destacamento policial, “pois ha tempos que é necessário, e hoje com maior rasão continua a sel-o, porquanto da parte de pessoas mal intencionadas e residentes neste termo, já principiou o povo, levado por conselhos dellas, a tornar-se rebelde na solução dos impostos e multas a que é obrigado pela municipalidade, provindo d’ ahi o desacato às leis, autonomia, privilégios e direitos do município”. O Juiz Preparador, mais sucinto, solicita o mesmo destacamento para auxiliar “a Municipalidade na cobrança de seos impostos, porquanto parte da população não quer satisfazêl-os” e “a fim de ser garantida a bôa ordem e moralidade dos funcionarios”. Neles não encontramos nenhuma referência nominal a Antonio Conselheiro, nem a nenhuma outra pessoa.  Sabemos, porém, se tratar de local de atuação do peregrino.

            À tese da multiplicidade dos protestos na região de atuação de Antonio Conselheiro contra impostos extorsivos e da sua influência intelectual neles, corrobora as informações presente nos Annaes da Câmara dos Deputados da Bahia, em suas sessões do ano de 1894, onde se lê nas falas dos parlamentares:

            “[Antonio Conselheiro] pregou contra o pagamento de impostos, pelo que differentes localidades deixaram de os pagar”; “No princípio das pertubações que se seguiram aos acontecimentos de abril, quando começaram as resistências ao pagamento dos impostos (…)”; “Por ventura não era vilipendiada a instituição republicana, quando aquellas populações rasgavam os dinheiros da República e propositadamente se oppunham ao pagamento dos impostos?”.

            Baseado em tudo isso, acreditamos que, sob influência dos preceitos cristãos como entendidos à maneira de sua época, Antônio Conselheiro nunca teve a intenção de mobilização permanente do povo contra o Regime Republicano, os latifundiários, ou para restauração da monarquia, sendo descrita em alguns fontes históricas, como o Inquérito Policial da Vila do Soure e o conhecido Relatório de Frei Evangelista de 1895, sua atitude claramente pacífica, não desarmando seus seguidores pelo simples fato de ter sua vida ameaçada. Entretanto, sua compaixão para com os injustiçados, o levou a denunciar em suas prédicas as opressões praticadas, colaborando assim, decisivamente, para criar um clima de sublevação na região em que esteve presente. Talvez pesquisas mais profundas, possam desmontar esta tese, por exemplo, mostrando que em outras regiões baianas aconteceram fatos com essas mesmas características, ou explique de outra maneira que não a influência de Conselheiro, a concentração destas revoltas exatamente nesta região.

            Mas o fato de muitas vezes não estar presente fisicamente, não invalida a influência que parece ter tido entre a população das Comarcas de Bom Conselho, Itapicurú, Monte Santo e outras regiões por onde o Conselheiro costumava passar, em relação aos protestos contra a cobrança de impostos, com suas exortações de contraponto ao regime republicano. Manoel Benício, em seu livro O Rei dos Jagunços, sem indicar as fontes, narra um suposto incidente envolvendo uma insatisfação popular pela cobrança excessiva de impostos sob uma velha senhora chamada Tia Benta, vendedora de esteira na feira de Chorrochó. Segundo ele, na prédica daquela noite, Conselheiro teria dito: “eis ahi o que é a Republica, o captiveiro, trabalhar somente para o governo. É a escravidão anunciada pelos mappas, que começa. Não viram a tia Benta é religiosa e branca, portanto a escravidão não respeita ninguém”.

            É o que posso compreender com as fontes que tenho a minha disposição hoje…

 

 

FONTES E BIBLIOGRAFIA UTILIZADAS

ANNAES da Camara dos Senhores Deputados do Estado Federado da Bahia: sessões do anno de 1894 (Volume II). Bahia: Typographia do Jornal de Notícias, 1894.

REQUERIMENTO da Intendência Municipal da Villa do Raso, Comarca de Monte Santo, ao Governador do Estado da Bahia, em 20 de fevereiro de 1893.

REQUERIMENTO do Comissariado de Polícia da Villa do Raso, Comarca de Monte Santo, ao Governador do Estado da Bahia, em 22 de fevereiro de 1893.

REQUERIMENTO da Presidência do Conselho Municipal da Villa do Raso, Comarca de Monte Santo, ao Governador do Estado da Bahia, em 24 de fevereiro de 1893.

REQUERIMENTO do Juiz Preparador da Villa do Raso, Comarca de Monte Santo, ao Governador do Estado da Bahia, em 27 de fevereiro de 1893.

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CALASANS, José. Cartografia de Canudos. Salvador: ALBA, s/d.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões: Campanha de Canudos. São Paulo: Ateliê Editorial, 2018.

DANTAS, Monica Duarte. Fronteiras movediças: a Comarca de Itapicuru e a formação do arraial de Canudos. São Paulo: Fapesp: Hucitec, 2007.

MOITA, José Augusto. Antonio Conselheiro: vida e obra. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2023.

SAMPAIO, Consuelo Novais. Canudos: Cartas para o Barão. São Paulo: Edusp, 2001.

SOUZA DANTAS, Salomão de. Criminosos e ordem pública: o episódio de Canudos. In: Aspectos e Contrastes: ligeiro estudo sobre o Estado da Bahia. Rio de Janeiro: Typ. Revista dos Tribunais, 1922.




 

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