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Confira o artigo A Faculdade de Medicina da Bahia e o tratamento dos feridos da guerra de Canudos

A FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA E O TRATAMENTO DOS FERIDOS DA GUERRA DE CANUDOS

 

 

Por Marcos Roberto Brito dos Santos,

Doutor em História pela UFBA

 


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            Uma imagem que retrata a atuação de “médicos na Guerra de Canudos”, como nos faz crer a legenda fixada no campo acima da fotografia? Teria sido tirada em algum lugar do front de batalha do sertão baiano: Queimadas, Cansanção, Monte Santo, Canudos? E quanto aos personagens, são todos médicos? Quem seriam eles e quais suas ocupações? Esta fotografia compõe o acervo do arquivo histórico da Faculdade de Medicina da Bahia.

            Levantando o contexto de produção da fotografia e cruzando as diversas fontes históricas, é possível muitas vezes entendê-la melhor. Assim, não é nossa intenção aqui, realizar uma análise semiótica dessa imagem, ou levantar questões profundas relativas a fotografia como fonte para a história, mas tão somente utilizar esta imagem específica como mote para discorrer um pouco sobre a atuação da Faculdade de Medicina da Bahia no tratamento dos feridos e doentes da Guerra de Canudos, ao tempo em que revelamos, ao final, como, lançando mão da pesquisa histórica, foi possível resolver indagações como estas que estão colocadas acima.

 

A Guerra de Canudos chega a Faculdade de Medicina da Bahia

            A Guerra de Canudos foi um dos episódios da história do Brasil que maior atenção recebeu entre pesquisadores e historiadores, com larga bibliografia que narra e interpreta os acontecimentos ocorridos entre novembro de 1896 e outubro de 1897, período em que ocorreu as quatro expedições militares enviadas pelo governo para destruir o povoado do Belo Monte, bem como os fatos que os precederam e sucederam, mas que se encontram a eles intimamente conectados.

            Após uma longa fase de peregrinação pelos sertões nordestinos, entre as décadas de 1870 e o ano de 1893 – edificando igrejas, cemitérios e açudes; pregando, rezando e aconselhando o povo; mas também em constante conflito com autoridades eclesiásticas e governamentais – Antonio Conselheiro fixa com seus seguidores às margens do rio Vaza-Barris, em terras da antiga Fazenda Canudos, fundando uma comunidade de vida solidária, a que denominou de “Belo Monte”.

            Vista como uma ameaça aos interesses dos grande proprietários rurais (que perdia mão de obra barata, em virtude da grande migração ocorrida, de uma população sertaneja pobre, explorada e sofrida) e da elite política recém-instalada (na medida em que Antonio Conselheiro, em suas prédicas, contrapunha-se a uma série de mudanças implantadas pelo novo regime republicano), os governos estaduais e federais enviaram tropas ao sertão com o objetivo de pôr fim ao arraial rebelde.

            Foi com a derrota da terceira expedição militar contra Canudos e a morte de seu comandante, o coronel Antonio Moreira César, no início de março de 1897, e a ampla comoção gerada em todo o país por estes acontecimentos, que encontramos as primeiras declarações dos professores e dos alunos da Faculdade de Medicina da Bahia, localizada no Terreiro de Jesus em Salvador, sobre a guerra em andamento. Em 16 de março, durante a primeira reunião da congregação da faculdade após o fracasso da terceira expedição, é transmitida ao governo uma moção de pesar, ao tempo em que a faculdade punha à disposição do Exército brasileiro apoio médico-hospitalar, em caso de necessidade.

            Por seu turno, é ainda neste momento que a Guerra de Canudos também chega às preocupações dos estudantes de medicina. Data de três dias depois da citada reunião da congregação de professores, a primeira manifestação pública dos acadêmicos das escolas de medicina, direito e engenharia civil do estado, que subscrevem um documento intitulado Manifesto dos Estudantes das Escolas Superiores da Bahia aos seus collegas e aos Republicanos de Outros Estados. Já entre os signatários deste manifesto encontramos o nome do acadêmico de medicina Alvim Martins Horcades, liderança de destaque entre os estudantes, este se deslocará ao sertão baiano como voluntário nos serviços médicos aos enfermos (trataremos especificamente dele mais a frente em um outro artigo).

            Entretanto, a ajuda oferecida em março somente seria concretizada posteriormente, alguns meses depois. Em julho de 1897, em nova reunião da congregação, ficou decidido que o edifício da faculdade se converteria provisoriamente em hospital, a fim de atender aos feridos e enfermos provindos da região sertaneja. Foram criados ainda mais três hospitais provisórios, que funcionaram no Mosteiro de São Bento, no Arsenal de Guerra e no Forte da Jequitaia, dirigido e/ou integrado por professores e alunos da Faculdade, e enviados para o centro de operações militares no sertão baiano, em fins de julho e início de agosto, duas turmas de estudantes de medicina (disso nos ocuparemos no próximo ensaio). As aulas foram suspensas e a 06 de agosto começaram a chegar no edifício da Faculdade os feridos vindos da Guerra de Canudos.

            Além do quadro interno à instituição, a Faculdade de Medicina da Bahia obteve o apoio, de pelo menos um voluntário, como encontramos em carta enviada ao diretor da faculdade, em 12 de agosto, pelo cidadão português Pedro Baptista, farmacêutico pela Universidade de Coimbra, que “desejando tomar parte no acto humanitário, affectuoso e patriótico da Faculdade em prestar socorro aos bravos militares feridos em Canudos, batendo-se por esta República”, ofereceu “os seus serviços profissionais na Capital deste Estado,coadjuvando em tudo que esteja ao seu alcance, independente de qualquer remuneração”.

            Apesar do apoio do corpo de professores da Faculdade de Medicina da Bahia ter ficado restrito ao atendimento na Capital do Estado, a contribuição destes, embora limitada, não deve ser menosprezada. Somente no edifício da Faculdade, fora os demais hospitais provisórios (de menor porte), foram constituídas 10 enfermarias com 457 leitos. Notavelmente, ainda, foi no atendimento aos feridos de Canudos que pela primeira vez os Raios X foram utilizados em medicina de Guerra, na localização dos projéteis.

 

Uma fotografia do tratamento intra-muros

            Após contextualizarmos, voltamos então a questão da fotografia.

            A fotografia, ofertada, conforme registro no verso, ao memorial da Faculdade de Medicina por alguém de nome Antonio Marcelino, em 10 de novembro de 1999 (ou 1990), retrata uma equipe de profissionais da saúde em torno de uma mesa repleta de frascos (remédios, soluções), pequenos equipamentos e utensílios médico-hospitalares. Tanto a legenda “Médicos na Guerra de Canudos”, como as inscrições “tratamento dos feridos nos combates de Canudos” e nomes elencados abaixo da imagem, são, claro, inserções posteriores, embora possam ter (e imagino que tenha!) datações distintas. As inscrições no corpo da foto trazem a mesma grafia, sendo que as localizadas abaixo, aludem aos personagens retratados, sendo provavelmente efetuada em data próxima ao evento, visto que com o decorrer do tempo, existe uma tendência a se perder dados como este, sendo improvável que muitos anos após, estas informações tenham sido resgatadas. Já a legenda, feita em papel e com letras impressas, trás uma informação inexata.

            Na fotografia foi possível identificar, sem muito esforço, em virtude de conhecermos as feições, os prestigiados farmacêutico Adolpho Diniz Gonçalves (primeiro à esquerda) e o professor José Olympio de Azevedo (ao centro, de paletó preto). Sabemos, através das pesquisas efetuadas, que estes não foram ao sertão baiano, mas que prestaram seus serviços, ambos no Mosteiro de São Bento, no hospital provisório nominado “Kekulé”, o primeiro como diretor do Laboratório de Farmácia e o segundo como  diretor do Hospital.

Em virtude disso e da fotografia estar oferecida “ao distincto Director da Quarta Enfermaria Dr. José Eduardo Freire de Carvalho Filho” (enfermaria Nothnagel, que funcionava no Mosteiro de São Bento), pode-se deduzir que o registro aconteceu nas instalações do hospital instalado no Mosteiro de São Bento, possivelmente no Laboratório de Farmácia. 

            Ainda é possível inferir, considerando os trajes, o destaque na fotografia e o local da inscrição do nome, que o último à direita é o farmacêutico português voluntário Pedro Baptista, de cuja carta de oferecimento, encontrada no arquivo da faculdade, falamos acima. Também concorre para este entendimento o constante no livro de Actas da Congregação que registra que “o serviço pharmaceutico foi dirigido pelo pharmaceutico Adolpho Diniz Gonçalves, auxiliado pelo Pharmaceutico Pedro Baptista”. Há um homônimo entre os estudantes do 2º ano médico, Pedro Baptista de Oliveira, que também serviu em um dos hospitais provisórios. Porém, os fatos indicados, a informação de que o voluntário lusitano teria sido designado para a “enfermaria do Dr. José Olympio”, e em especial o que parece ser uma abreviatura de “farmacêutico” precedendo o registro do nome, nos leva a crer, com certo grau de segurança, que seja ele o indivíduo à extrema direita da foto.

            Apuramos ainda que duas das inscrições dos nomes referem-se aos estudantes Fernando de Sousa Guarany, à época 1ª série de Farmácia (possivelmente um dos três indivíduos entre Adolpho Diniz e José Olympio), e Maurílio Pinto da Silva, formado em Medicina em 1910 (sendo provavelmente um dos três indivíduos entre José Olympio e Pedro Baptista).

 

BIBLIOGRAFIA SUGERIDA

SANTOS, Marcos Roberto Brito dos. A Guerra de Canudos na Faculdade de Medicina da Bahia. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Vol. 119, Salvador: IGHB, jan/dez 2024.

OLIVEIRA, Xavier. Reminiscencias da Guerra de Canudos. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Nº 68, 1942.

________________. Reminiscencias da Guerra de Canudos (conclusão). Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Nº 69, 1943.

PINHEIRO, Alexander Magnus Silva. Uma experiência do front: a Guerra de Canudos e a Faculdade de Medicina da Bahia.

TORRES, Octavio. Esboço histórico dos acontecimentos mais importantes da Faculdade de Medicina da Bahia (1808-1946). Salvador: Imprensa Vitória, 1946.



 
 
 

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