Artigo "O quase anônimo alferes da Guerra de Canudos Eutychio Sampaio", por Marcos Roberto Brito dos Santos
O QUASE ANÔNIMO ALFERES DA GUERRA DE CANUDOS EUTYCHIO SAMPAIO
(cujos restos mortais jazem no ossuário da Igreja de São Francisco do Terreiro de Jesus)
Por Marcos Roberto Brito dos Santos
Doutor e mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Aos visitantes mais atentos da Igreja de São Francisco (Ordem Primeira) no Pelourinho, chama a atenção um jazigo perpétuo pertencente a um alferes falecido na Guerra de Canudos. Fiquei sabendo da sua existência através do guia de turismo João Luz, e logo reservei um tempo para realizar uma inspeção ao local. Identificada a lápide, e estimulado na curiosidade de ter mais dados sobre aquele protagonista da Guerra de Canudos, embora ciente das dificuldades que encontraria por se tratar de um militar de média patente, portanto, sem maiores destaques, aceitei o auto-desafio de realizar um levantamento sobre aquele quase anônimo personagem.
O jovem militar do Exército brasileiro, nascido em 15 de abril de 1869 (ou 1968, conforme uma publicação do Ministério da Guerra), morreu aos 28 anos de idade e levava o nome de Eutychio Coelho Sampaio. Sobre sua vida pessoal, fora do campo de guerra nos sertões do estado da Bahia, conseguimos coletar apenas poucas informações, além daquela constante na inscrição da mármore, que nos comunica que fora casado com D. Maria José Motta Sampaio. Já um boletim mensal da maçonaria Grande Oriente do Brasil nos indica que Eutychio era maçom, e participava da mesma loja, de nome Força e União, localizada na cidade de Salvador, que o jornalista Lélis Piedade, secretário do Comitê Patriótico da Bahia, entidade criada em meio à Guerra com os fins de assistir socialmente os familiares dos soldados, e que posteriormente irá assumir também a incumbência de atender aos orfãos e viúvas dos sertanejos. Ambos aparecem como membros da diretoria da loja maçônica empossados em 25 de abril de 1896, às vésperas do início da guerra, assumindo os cargos de 1º vigilante (Lélis Piedade) e 3º Experto (Eutychio Sampaio). Assim, enquanto o primeiro era o substituto imediato e eventual do Venerável Mestre, dirigente maior que conduz a loja maçônica, Eutychio assumia um cargo mais modesto dentro da loja, sendo como 3º Experto, segundo substituto eventual na função de iniciação, responsável por receber, conduzir e acompanhar os novos adeptos, candidatos a membro.
Quanto a vida militar, Eutychio Sampaio assentou praça em 22 de março de 1889, ascende do posto de sargento à patente de alferes através de portaria publicada em agosto de 1894. Já sua participação na guerra antecede à quarta e última expedição contra Canudos. Seu nome aparece entre os signatários da ata lavrada, e assinada, à 24 de janeiro de 1897, por todos os oficiais da segunda expedição militar, justificando e responsabilizando-se pela decisão da retirada das tropas, intimidadas pela força numérica dos conselheiristas e sem os recursos materiais e humanos necessários para o enfrentamento. Na Ordem do Dia, nº 4, de 29 de janeiro, ainda com a tropa aquartelada em Monte Santo, o comandante da expedição, o major Febrônio de Brito, tece elogios à atuação do alferes Eutychio Sampaio por sua “calma e interesse nas avançadas”.
Novamente no front de batalha, durante a 4ª Expedição Militar contra Canudos, Eutychio Sampaio integra o 9º Batalhão de Infantaria (do qual já fazia parte), batalhão este alocado na 3ª Brigada da Campanha de Canudos sob o comando do coronel Thomaz Thompson Flores. À 28 de junho, do Alto da Favela, é travado um renhido combate com os sertanejos, com baixas substanciais, onde se resultou uma grande quantidade de mortos entre os militares. Avalia-se, do episódio, que houve imprudência do coronel Thompson Flores, impulsionado pela ânsia de chegar ao reduto conselheirista antes do coronel Carlos Teles, do qual havia alimentado rivalidades, pagando com a própria vida pela sua insensatez. Sobre o combate deste dia, o então alferes de infantaria Henrique Duque-Estrada de Macedo Soares, em seu livro A Guerra de Canudos, publicado em 1903, afirma: “aquellas linhas de mortos, ali permaneceram largos mezes e os corpos seccaram. Poucos foram inhumados, entre elles o do inditozo coronel Flores”.
Neste mesmo confronto do dia 28 de junho, Eutychio Sampaio é ferido, vindo a falecer em 08 de agosto de 1897 na vila de Monte Santo, não sendo possível afirmar, peremptoriamente, entretanto, que a morte ocorreu por consequência da lesão sofrida neste dia, haja vista ter se passado 41 dias entre as duas ocorrências. Enterrado, possivelmente em Monte Santo, seus restos mortais foram transladados e hoje se encontra entre as sepulturas da Igreja de São Francisco. Solicitado buscas nos arquivos dos franciscanos, o responsável até o momento não encontrou os registros de sepultamento. Morreu jovem, perdeu a vida, para quase nem entrar para a história. Sua lápide é uma das poucas memórias de sua passagem no século XIX. Talvez tivesse sua memória sorte pior, não fosse levado ferido para Monte Santo, e jazido entre os diversos cadáveres insepultos no campo de batalha. Somar-se-ia à multidão de anônimos da Guerra de Canudos, juntamente com tantos outros soldados e sertanejos conselheiristas. Em 1899, sua esposa fez direito à pensão da contribuição do Montepio por ele pago durante a sua vida militar.
BIBLIOGRAFIA E FONTES UTILIZADAS:
ALMANAK DO Ministério da Guerra no anno de 1897. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1897.
BARRETO, Emygdio Dantas. Ultima Expedição à Canudos. Porto Alegre: Franco & Irmão, 1898.
BOLETIM do Grande Oriente do Brasil: Jornal Official da Maçonaria Brazileira. nº 2-3. Rio de Janeiro: Typ. Alexandre Ribeiro & C, abril e maio de 1896.
CANTUÁRIA, João Thomaz. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil pelo General de Divisão João Thomaz Cantuária em maio de 1898. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898.
CIDADE DO RIO (jornal), 13 de fevereiro de 1897.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO (Jornal), 12 de setembro de 1894.
IGREJA DA ORDEM PRIMEIRA DE SÃO FRANCISCO. Jazigo Perpétuo do Alferes Eutychio Coelho Sampaio. Salvador, s/d.
JORNAL DO COMMERCIO, 14 de fevereiro de 1897.
JORNAL DO COMMERCIO, 19 de abril de 1899.
MACEDO SOARES, Henrique Duque-Estrada de. A Guerra de Canudos. Rio de Janeiro: Typ. Altina, 1903.
MELLO, Frederico Pernambucano de. A Guerra Total de Canudos. 3ª edição. São Paulo: Escrituras, 2014.
MILTON, Aristides. A Campanha de Canudos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1902.
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