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Ainda existirá Sebastianismo?

Consuelo Pondé de Sena

Presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e membro da Academia de Letras da Bahia

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É uma dúvida que me persegue há muito tempo. A existência ou não do “sebastianismo” em nosso país. Extinto em Portugal, permaneceu, no século XIX, nos longínquos pedaços de chão da terra brasileira.

Preocupou-se com o assunto o notável escritor Euclydes da Cunha, em meio a velhos papeis dos sertanejos vencidos pela escuridão da ignorância, quando atuava, como jornalista, no interior da Bahia.

O mito nasceu na cultura portuguesa como decorrência da morte de D.Sebastião, na Batalha de Alcácer-Quibir, no século XVI. Rei sem descendência, seu desaparecimento traumatizou o povo lusitano, que passou a alimentar o desejo do seu regresso ao mundo dos mortais.

Tendo nascido em 1554 era D.Sebastião filho único de D. Joana de Áustria e do Príncipe D. João, que morreu vinte e dias antes do nascimento do filho. Por essa razão, foi o único descendente de D. João III, seu avô. Nele eram depositadas todas esperanças do seu povo, de que haveria de fazer de Portugal um Império Universal baseado no cristianismo.

Todas as aspirações do povo português concentravam-se nele, apelidado o ‘desejado’, sobre quem recaía o futuro da nação. Assumiu o trono com apenas 14 anos e era educado sob rígidos dogmas católicos, a fim de converter-se num defensor desta fé. Recebeu educação cavalheiresca, o que contribuiu para que lhe passasse a significar como tarefa mais importante a conquista dos povos infiéis. Esse foi o ideal que o conduziu a lutar contra os árabes no norte da África, em Alcacer-Quibir, no ano de 1578.

Era a grande e, talvez, única esperança daquele momento de terrível crise econômica de Portugal, cabendo-lhe investir-se da postura de cavalheiro medieval, a quem competiria reabilitar o país. A ele competia devolver as glórias do passado do país, com o objetivo de colocá-lo na posição cimeira dentre as nações da Península Ibérica.

Investido de tamanhas responsabilidades, apresentava uma personalidade estranha, em que se delineavam traços de prepotência, arrogância e inconseqüência, como escreve Francisco Salles Loureiro.

Quanto à batalha de Alcácer-Quibir constitui-se na mais dantesca tragédia para Portugal, não só pela previsível derrota, dadas à desqualificação do exército, seu despreparo na falta e domínio das armas, comando ineficiente, como pela morte do jovem rei.

Com o seu trágico desaparecimento, Portugal passou para o domínio espanhol. Por outro lado, a crise que se arrastava desde os tempos de D.João III agravou-se enormemente.

Entretanto, alguns autores consideram que a crise sócio-econômica não foi responsável pelo sebastianismo, movimento que teria surgido antes de D. Sebastião. Isto porque, no século XVI um sapateiro chamado Bandarra escreveu proféticas trovas que pregavam a chegada de um messias responsável pela recuperação do país. Dizem que essas profecias foram influenciadas pelo mito espanhol “Encoberto” muito divulgada em Portugal. A morte de D.Sebastião confirmou a aventura perigosa em que se envolvera Portugal, passando o povo a acreditar que, tendo sido destemido e heróico, não havia morrido o jovem rei, que haveria de voltar para salvar a pátria. O mito passou então a configurar-se como uma promessa de realidade.

Em 1640, com a restauração do governo português, as esperanças recaíram em D. João IV, em que se acreditava ser a reencarnação do mito que estabeleceria o desejado Quinto Império. Esta crença foi abraçada pelo Padre Antônio Vieira. Quando esteve no Brasil difundiu essas crenças, tendo o mito se arraigado no espírito dos sertanejos, daí ter sido Antônio Conselheiro interpretado como D. Sebastião.

Graças à sua força e influência na história e cultura de Portugal, vem sendo usada como tema na prosa e na poesia desde o Romantismo. Dentre os mais importantes escritores que tratam sobre o mito temos: Almeida Garret, Antonio Nobre, Fernando Pessoa, Almeida Faria e, no Brasil, o inesquecível Ariano Suassuna.

O sebastianismo reflete essa tendência portuguesa em acreditar em milagres e heróis, tendência que nós, brasileiros, herdamos inteiramente. Para a professora Eleandra Aparecida Lelli (USP): Essa enorme influência que um mito pode exercer sobre um povo, no caso, o português, acaba por desencadear um histórico repleto de fracassos, os quais se definem e perpetuam através da repetição da História contada. Tentando reavaliar Portugal , com seus mitos e imaginário, cabe lembrar o que escreveu Eduardo Lourenço , em sua Mitologia da saudade. “Desde o século XIX, com o nascimento de uma história digna desse nome, imaginou-se, e com razão, que seria a História o lugar por excelência da compreensão de nós mesmo como passado coletivo e, por consequência, a leitura mais adequada de um povo como destino. Da poética dessa História excluía-se, por definição, o que na ordem da informação do passado relevava da lenda ou do mito(...) O imaginário transcende a mitologia constituída ou plausível, mas a mitologia, na ficcionalização imanente à história vivida, que melhor o podemos aprender . Adotando uma célebre fórmula de Kant podemos dizer que a Mitologia sem História é Vazia e a História sem Mitologia, cega”( Lourenço , 1999, p.92-93) Seria preciso que muitas viagens pelo interior do Brasil ainda pudessem verificar a existência ou não do “sebastianismo”.

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