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Confira o artigo "O primeiro atentado à Liberdade de Imprensa no Brasil"

Há 200 anos, em 21 de julho de 1822, ocorreu o primeiro atentado à Liberdade de Imprensa no Brasil. Ao entardecer daquele dia, soldados portugueses, cumprindo ordens do Brigadeiro Madeira de Melo – Governador das Armas da Província da Bahia, nomeado pelas Cortes Portuguesas – invadiram a gráfica “Viúva Serva & Carvalho”, na Cidade Baixa, em Salvador, e a empastelaram, quebrando equipamentos e danificando o prelo. Estragaram sobretudo as placas (contendo os tipos) prontas para a impressão de “O Constitucional”. Este jornal tinha como principal redator o bacharel Francisco Gomes Brandão (1794-1870), cujo pseudônimo era Montezuma, também vereador em Salvador. Na tribuna do Senado da Câmara e em artigos vibrantes no jornal ele fazia uma tenaz oposição ao militar português e críticas muito severas a Portugal. Ao mesmo tempo pregava uma “União Sem Sujeição” do Brasil em relação a Portugal e defendia a causa brasileira na tensa disputa que então se travava entre o governo regencial de Dom Pedro, no Rio de Janeiro, e as Cortes de Lisboa, que preparavam a primeira Constituição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Muitas decisões desta assembleia constituinte eram, porém, contrárias ao Brasil e tinham um caráter nitidamente recolonizador. E contra elas muitos brasileiros reagiram


O ataque ao jornal foi executado por uma tropa comandada pelo tenente-coronel português Vitorino Serrão, o Ruivo, apontado por muitos como tendo sido o autor do golpe de baioneta no ventre da Abadessa do Convento da Lapa, Joana Angélica, que a levou à morte. O fato, que a tornou a Mártir da Independência, ocorreu cinco meses antes, em fevereiro. Na ocasião, brasileiros e portugueses se enfrentaram armados nas ruas de Salvador, no conflito que teve como causa justamente a recusa dos baianos, com Montezuma à frente, de empossar Madeira de Melo no comando de todas as forças militares da Bahia. Defendendo que esse comando cabia a um brasileiro, os baianos negaram-lhe a posse e os portugueses reagiram. Com a derrota dos brasileiros nesses embates, e a fuga dos seus líderes para o Recôncavo, Madeira de Melo impôs-se perante a Junta Governativa e, a ferro e fogo, foi empossado. Em seguida ocupou militarmente todos os pontos de Salvador e impôs severa repressão a brasileiros partidários da Independência.


Como tinha ordens de levar preso o jornalista Montezuma e não o encontrando, os militares espancaram o sócio dele, e também redator do jornal, Francisco Corte Real, quebrando-lhe um braço, sequela que lhe ficou pelo resto da vida. Esse atentado significou o fim de “O Constitucional”. Era, segundo Alfredo de Carvalho (Anais da Imprensa Baiana, publicado em 1911 pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia/IGHB) “o único periódico que ousava lançar em rosto aos oficiais lusitanos as suas arbitrariedades, injustiças e barbaridades”. Com a cabeça a prêmio, o jornalista conseguiu fugir em um saveiro para o Recôncavo e em Cachoeira ajudou na resistência ao domínio português. A vila tinha aclamado um mês antes, em 25 de Junho, o Príncipe Dom Pedro Regente Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. Naquele contexto, isto significava adesão ao governo dele, no Rio de Janeiro, e dizer não às Cortes de Lisboa. Por isso naquele mesmo dia a vila foi bombardeada por uma barca canhoneira portuguesa ancorada no Rio Paraguaçu, dando início, três meses antes do 7 de Setembro, à Guerra pela Independência, que somente foi concluída em 2 de Julho do ano seguinte.


Em Cachoeira, Montezuma foi eleito deputado, representando a Vila, no Conselho Interino de Governo da Província da Bahia, o governo rebelde que se instalou, em 6 de setembro, representando todas as vilas do interior. Salvador, ocupada por tropas portugueses que resistiam à independência, ficou isolada do resto da Bahia e deixou de receber víveres e mantimentos, produzidos nas vilas do Recôncavo. Isso ocasionou uma grave crise de abastecimento, que mais tarde foi fator essencial para a vitória dos brasileiros na guerra. Montezuma, por delegação do Conselho Interino, foi ao Rio de Janeiro levar a Dom Pedro, já coroado Imperador do Brasil, um relatório sobre a situação da Bahia e o pedido de ajuda para combater as tropas de Madeira de Melo. Na mesma escuna que trouxe Montezuma, vieram também armas, munições e uma tipografia, enviadas pelo Imperador.


Com essa tipografia ele e Corte Real criaram em Cachoeira, capital da Bahia livre, por reconhecimento do Imperador, o jornal “O Independente Constitucional”, certamente um dos primeiros criados no Brasil após a Independência. Começou a circular em 1° de Março de 1823 e publicava atos e notícias do governo imperial, fatos da campanha, decisões do Governo Interino e relatava os combates que estavam sendo travados no Recôncavo. Cercada por terra, pelo Exército organizado pelo General Labatut, e por mar, pela esquadra de Lord Cochrane, que isolou a Bahia de Todos os Santos, Salvador ficou meses sitiada. Os dois militares, um francês e o outro escocês, tinham sido contratados pelo Império do Brasil para derrotar os portugueses que ao resistir à Independência tentavam manter a Bahia e o norte do Brasil ainda unidos a Portugal.


Montezuma teve um papel decisivo em todas as fases do processo que na Bahia levou à Independência e a consolidou. Foi o orador inflamado, impulsionador dos baianos contra o domínio português, o jornalista combativo que não se atemorizou com as ameaças e violências, o articulador político da aclamação de Dom Pedro e da união de todas as vilas e o secretário do governo provisório que centralizou e, até certo modo, coordenou as ações na guerra que consolidou a Independência do Brasil. Ainda em 1823 foi representante da Bahia na Assembleia Constituinte convocada por Dom Pedro para redigir a primeira Constituição do Brasil. Nesse cargo ao enfrentar a tirania do Poder foi preso e exilado quando Dom Pedro, insatisfeito com algumas decisões dos parlamentares, num arroubo de absolutismo, fechou a Constituinte e outorgou uma Carta Magna. Ao retornar do exílio de oito anos na França foi eleito deputado e nos anos seguintes Senador (sempre representando a Bahia), Ministro da Justiça e também das Relações Exteriores, além de Embaixador do Brasil na Inglaterra. Teve presença ativa por mais de 50 anos na política e no serviço público. Presidiu o Banco do Brasil e como advogado fundou o órgão que deu origem à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Recebeu o título de Visconde de Jequitinhonha.




Jorge Ramos é jornalista e pesquisador. Integra as diretorias da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB)





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