Artigo Conhecimento de Candomblé, por Cyro de Mattos
Artigo Conhecimento de Candomblé, por Cyro de Mattos
Foi trazido da África pelos negros escravos, na sua linguagem, riquíssima, tudo é simbólico, ritual e mistério. Há sons, ritmos, cânticos, danças, cores, insígnias, cheiros, oferendas e sabores. Luzes acesas à entrada do barracão, a assistência com muita gente, o salão todo iluminado, enfeitado com bandeirolas indicam que a data é especial, o dia vai ser consagrado a um orixá importante.
Dos fundos do salão, em sua pose ancestral de rainha, a mãe de santo dirige com gestos mansos o ritual da festa que vai homenagear Ogum, orixá de ferro, que no sincretismo religioso da Bahia identifica-se com Santo Antônio. O orixá dos embates diários tem relações estreitas com Exu, mensageiro entre os homens e os deuses, considerado seu escravo. Com uma espada empunhada, duelando, a dança do deus da guerra é viril, de gestos belicosos. Sua cor é o azul profundo, come bode, galo, farofa com azeite de dendê, pipoca, e, apesar do espírito guerreiro, é também o protetor das artes manuais e da agricultura.
A mãe-pequena puxa os cantos, as filhas de santo com suas vozes negras, em vibrações suaves, respondem em surdina. Exu está sendo invocado e rogado. No meio do salão, há uma vela acesa, farofa de dendê, a oferenda do mensageiro entre os homens e os orixás, pois está em seu poder trazer a paz ou desencadear a desavença. Os atabaques tiram sons doces, as danças vão ser suaves, as iaôs ajoelham-se, curvam-se submissas, a testa no chão, contritas.
Terminando o padê, despacho para Exu, os atabaques tocam, iaôs cantam e dançam, três vezes para cada orixá, assim invocado, rogado e homenageado na cerimônia da roda. Atabaques voltam então a bater em ritmo acelerado, aumentam o volume, trepidam e batem fundo, diminuem num toque especial quando a primeira iaô, sob convulsões seguidas, cai no transe, é possuída por seu orixá. É Ogum, com a sua saudação de orixá guerreiro: “oguniê!” Das lonjuras da África, outros orixás também estarão vindo para, nesse instante de mistério pleno, apossando-se da sua filha, festivamente serem homenageados.
As àkédes, zeladoras dos orixás, quando estes descem nas filhas, conduzem as iaôs para a camarinha, onde mudam as roupas com as cores do santo. Em seu retorno triunfal, já com as cores, as miçangas, as insígnias, os instrumentos, entram no salão, não mais as filhas, mas os santos. De pé a assistência, a mãe de santo na sala entoa um cântico especial. Foguetes riscam o céu e explodem suas descargas como que em reconhecimento à bondade com que os deuses vindos de tão longe acorreram ao chamado de seus filhos. Cada orixá em seguida vai ser honrado várias vezes, com danças e cantigas especiais, ricas, alegres e coloridas em sua poesia negra. Haverá bênçãos, reverências, passes mágicos, abraços dados de bom coração. A festa vai chegando ao fim, profunda a noite é como um berço doce e quente.
No Rio de Janeiro macumba. Em Pernambuco e Alagoas xangó. No Pará e Amazonas babassué. No Maranhão tambor e, no Rio Grande do Sul, chamado de batuque. Na Bahia, e em outros locais do Brasil, o candomblé incorpora sobrevivências religiosas dos indígenas brasileiros.
Dois mundos se confundem no candomblé, realiza-se a comunhão dos seres humanos com os deuses e os ancestrais. Deuses e mortos se misturam com os vivos no terreiro. Ouvem queixas, concedem graças, aconselham. Resolvem desavenças, consolam os magoados, dão remédio aos tristes, infelizes e sofridos. Não havendo distância entre a terra e o céu, no candomblé os fiéis podem conversar diretamente com os deuses e aproveitar da sua bondade.
Sobre o mensageiro Exu, alguns acham que diabo não é. Outros dizem que é. Diabo é o pai-de-santo que se serve de Exu como é.
Mãe Stella de Oxóssi. Foi ialorixá do Illê Axé Opô Afonjá.
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