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Sobre o racismo brasileiro

Consuelo Pondé de Sena

Presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e membro da Academia de Letras da Bahia

Segundo o brasilianista Thomas Skidmore (1976), o marco histórico das doutrinas raciais brasileiras apareceu muito tarde, pouco antes da Proclamação da República e da Abolição da Escravatura, momento de grande ebulição nacional, quando se observam os abalos das hierarquias sociais no país.

Como tudo no Brasil ocorre com grande atraso, essa discussão deveria ter chegado muito antes, no bojo da independência do Brasil. Todavia, tal não ocorreu em virtude da “grande“ singularidade do Sete de Setembro, único fato conhecido no mundo, em que a independência foi proclamada por um príncipe estrangeiro.

Se a Abolição política ocorreu, concretamente, em 1888, ela foi preparada paulatinamente, porque seu desfecho representava uma quebra de paradigmas defendidos pelos “donos do poder”. Significava a derrocada da construção econômica e social do país. O que, na realidade, ocorreu, foi um processo reacionário que, sob a capa de concessão da liberdade, mantinha o escravo sem possibilidade de sobreviver com dignidade. Faltava-lhe as condições de competir, de libertar-se social e cientificamente, de disputar um lugar na sociedade desigual.

Quanto à discriminação não aparece apenas em relação às questões étnicas, mas existe em relação ao diferente, ao estranho, ao estrangeiro, embora num sistema hierarquizado, pessoas de “cor” (impropriedade vocabular) sofrem mais discriminação, do mesmo modo de que padecem os mais pobres ou não possuem qualquer vinculação firme com alguém da sociedade local. Não manter relações sociais é estar fora do mundo, ser um pária sem lugar e sem vez. Por isso, até hoje, no Brasil, mantêm-se as condições de favorecimento por meio das relações de amizade.

Sabe-se que o movimento abolicionista norte-americano, tornando uma massa imensa de negros livres, impôs sérias dificuldades àquele país, porque nele a combinação do homem livre com o negro era muito mais rara, daí ter ocorrido sangrenta guerra civil. Enquanto isso, no Brasil existiam várias categorias de negros em posições diversificadas (escravos recentes, escravos antigos, negros escravos mais próximos ou distantes das casas-grandes, negros livres há muito tempo, negros livres há pouco tempo, crianças livres filhas de escravos, etc. Como os negros no Sul dos Estados Unidos poderiam competir com os brancos pobres daquela região, se haviam sido derrotados na guerra? O que lá ocorreu, de maneira violenta, foi a “segregação” legal fundada em leis. Essa forma de racismo não possibilitava um lugar para o mestiço. Por esse motivo, além de outras razões, se o negro e o branco podiam interagir livremente no Brasil, na casa–grande e na senzala, afirma Roberto da Matta, não é porque o nosso modo de colonizar foi mais aberto ou humanitário, mas, sim, porque aqui o negro e o branco possuíam um lugar certo e definido dentro de uma sociedade hierarquizada muito bem firmada. O mesmo antropólogo afirma que tal circunstância deu ao “racismo” brasileiro uma feição especial, com foco no centro do sistema. Assim, enquanto os norte- americanos condenavam a mistura de raças, no Brasil a mestiçagem se processou intensamente desde os primeiros anos da colonização.

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